Instituições de pagamento propõem portabilidade de dívida no rotativo para reduzir juros
Contrários a mudanças no parcelamento de compras sem juros, representantes de instituições de pagamento e do segmento de maquininhas de cartão de crédito apresentaram ao ministro Fernando Haddad (Fazenda), na quinta-feira (17), propostas alternativas para equacionar os altos juros do rotativo.
A principal delas é a portabilidade de crédito, que permite ao cliente transferir uma dívida de uma instituição financeira para outra que ofereça melhores condições de pagamento. No Brasil, a portabilidade é aplicável hoje apenas para outras modalidades, não para o rotativo.
Segundo relatos de pessoas envolvidas nas discussões, essa opção é vista pelos proponentes como forma de estimular a competição no sistema, ajudando a reduzir os juros na linha mais cara do mercado.
Uma apresentação à qual a Folha teve acesso usa como exemplo o caso dos Estados Unidos, onde há possibilidade de o cliente levar o saldo em aberto para outro emissor. Ela cita também que este tipo de portabilidade existe em países como Austrália e Reino Unido.
Alguns aspectos de autorregulação, contudo, são considerados como impeditivos hoje para o funcionamento deste mercado secundário no Brasil, como a possibilidade de reação da instituição que detém a operação diante de um pedido de portabilidade.
Outra sugestão feita ao governo foi o fomento à competição por meio do compartilhamento de dados, avançando na padronização e na melhora do processo operacional do open finance —ecossistema que permite a partilha de dados pessoais, bancários e financeiros entre instituições, mediante autorização.
A ideia é que haja troca de informações sobre limites concedidos, lançamentos na fatura do cartão e condições do crédito rotativo (como taxas de juros) entre as instituições emissoras.
Uma pessoa envolvida nas negociações disse à Folha que as sugestões são interessantes e podem ser implementadas, mas ponderou que elas sozinhas não resolvem o problema dos altos juros do rotativo.
Em junho, a taxa média de juros cobrada pelos bancos de pessoas físicas no rotativo do cartão de crédito foi de 437,3% ao ano, segundo dados do Banco Central. Naquele mês (último dado disponível), a inadimplência na modalidade ficou em 49,1%.
No encontro com membros da Abranet (Associação Brasileira de Internet) e da Abipag (Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos), Haddad procurou entender melhor o papel dos diversos interlocutores no debate sobre rotativo e parcelamento sem juros.
De acordo com relatos ouvidos pela Folha, o titular da Fazenda quis saber sobre o funcionamento da cadeia de pagamentos, os riscos nas operações e como eles são remunerados. Houve também uma discussão intensa sobre tarifa de intercâmbio —cobrada dos lojistas pelas transações com cartões.
Os representantes das instituições de pagamento e maquininhas também levaram ao ministro dados de um estudo que mostra que o rotativo do cartão apresenta um resultado muito positivo aos emissores, cerca de 6% do total da carteira de cartão de crédito no ano.
Na reunião, as entidades tentaram também desmistificar a inadimplência associada ao parcelamento, refutando que haja subsídio cruzado entre parcelado sem juros e rotativo. Destacaram ainda a importância desse modelo para o varejo brasileiro e o papel do parcelamento de compras sem juros como instrumento de competição no país.
Segundo os dados apresentados, metade de todo o volume financeiro pago por cartão de crédito é feito de forma parcelada —R$ 986 bilhões em 2022, sendo 62% desse valor em quatro parcelas ou mais (R$ 611 bilhões).
Foram citadas rapidamente propostas complementares. Uma delas se baseava no modelo inglês, no qual a cobrança de juros é limitada a 100% da dívida original do cliente. Isso significa que, na prática, o montante devido poderia ser no máximo duplicado.
Parte dessas informações também foi compartilhada com o BC em uma reunião com o presidente Roberto Campos Neto e técnicos da instituição na última segunda-feira (14).
Segundo o chefe da autoridade monetária, até o momento não foi tomada qualquer decisão.
“O BC fornece o aspecto técnico, o Congresso vê qual é a viabilidade política daquilo e o Ministério da Fazenda está trabalhando na ligação entre o que é o puro técnico e o que é o técnico viável de ser aprovado no Congresso”, disse Campos Neto, em entrevista ao site Poder360 na quinta.
A discussão está ainda em fase inicial na Câmara dos Deputados, segundo parlamentares ouvidos pela Folha. Uma proposta para limitar os juros no rotativo do cartão de crédito foi inserida no projeto de lei sobre o Desenrola, programa de renegociação de dívidas da gestão petista.
De autoria do deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA), o projeto determina que o CMN (Conselho Monetário Nacional) irá estabelecer limites para a cobrança desses juros —medida classificada como intervencionista e artificial pelos setores envolvidos.
O relator da proposta, deputado Alencar Santana (PT-SP), discute a possibilidade de as próprias instituições estabelecerem um teto a ser cobrado no rotativo em determinado prazo.
Há expectativa de que uma proposta consolidada seja desenhada no prazo de 90 dias, conforme indicado publicamente por Haddad.
Fonte: Folha de S. Paulo
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