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Combate a assédio no trabalho exige treinamento e mudança de cultura

Comportamento ocorre em ambiente em que funcionários estão sob pressão de resultados e estresse. Para especialistas, casos têm relação com valores da empresa

As acusações de assédio envolvendo o ex-presidente da Caixa Econômica Federal Pedro Guimarães jogam luz sobre a prática, que ainda é vista em algumas empresas. O Ministério Público investiga o caso. E o banco comunicou que desde maio já apura acusações, a partir de denúncias. De acordo com a Caixa, o canal de denúncias é administrado por órgão externo à instituição.

Para combater casos no setor, o Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e região criou, em 2019, o programa “Basta! Não irão nos calar!”, que também contempla denúncias de assédio sexual e violência de gênero. A iniciativa surgiu para assegurar apoio às vítimas e buscar a punição dos agressores, seja na esfera corporativa, civil ou penal.

Para Ivone Silva, presidente da entidade, os bancos estão investindo em tecnologia e eficiência, o que tem colocado pressão extra sobre os ombros dos funcionários, criando um ambiente favorável ao assédio.

— As metas abusivas estão diretamente ligadas com as denúncias de assédio moral, e o fim delas faz parte de uma reivindicação constante do sindicato — afirma.

Casos como o de Guimarães evidenciam a urgência de tornar ambientes corporativos mais inclusivos, sobretudo para as mulheres. Em agosto de 2021, o Itaú Unibanco foi condenado a pagar uma indenização de R$ 50 mil a uma ex-bancária vítima de assédio sexual e moral.

Contexto socioeconômico

De acordo com a ação judicial do caso, a trabalhadora era orientada pelo gerente regional a usar “roupas e maquiagens sensuais para captar clientes, inclusive para compensar sua falta de talento”. Cobrança abusiva para cumprimento de metas, ameaças de demissão e de transferência também foram relatadas.

Em nota, o banco disse que a ética e o respeito às pessoas são considerados “valores fundamentais e inegociáveis”. Disse ainda que fortaleceu o canal que mantém há 14 anos, o Ombudsman, responsável pelo recebimento de denúncias, apuração e resolução de conflitos internos.

Os dados integram o Relatório ESG 2021 do Itaú. O documento destaca que o número de orientações realizadas pelo Ombudsman passou de 812, em 2020, para 865, em 2021, enquanto o número de funcionários denunciados subiu de 1.223 para 1.520 no período

Entretanto, de acordo com o próprio relatório, a maioria (54%) das denúncias apuradas e consideradas procedentes em 2022 resulta em orientações. Outras 24% geraram advertências e apenas 22% tiveram como resolução o desligamento.

Um instrumentador cirúrgico em um grande hospital de São Paulo, que não quis se identificar, contou que espera uma resolução sobre sua denúncia há mais de um ano. Durante um procedimento complexo, lembra, o cirurgião passou a ofendê-lo com xingamentos e, em um acesso de fúria crescente, aos gritos, começou a jogar os instrumentos no chão. O enfermeiro levou o caso à comissão de ética do hospital.

— Me pediram para fazer um relatório, por escrito. Fiz, entreguei e até hoje espero uma resposta.

O caso não é isolado. O próprio funcionário relata que em seus dez anos na área da saúde já viu e ouviu muitos casos de assédio, sobretudo, moral.

— Pela natureza do trabalho, por estarmos lidando com a vida das pessoas em situação de emergência, é um ambiente extremamente estressante e o assédio acabou se naturalizando — comenta.

Para a presidente da Federação Nacional dos Enfermeiros (FNE), Shirley Morales, com pacientes internados sob estresse e familiares com a mesma condição, “as unidades hospitalares acabam funcionando como zonas de guerra”. A federação não tem números precisos, mas tem percebido aumento nas denúncias

O medo de formalizar uma denúncia deve ser observado em um contexto socioeconômico, a partir dos marcadores de classe e gênero.

— Mulheres negras, de baixa renda, têm muito mais a perder — pontua Nana Lima, cofundadora e diretora de impacto da Think Eva, consultoria de inovação social que busca criar soluções para desigualdades de gênero e intersecções no setor corporativo.

Uma pesquisa da Think Eva em parceria com o LinkedIn feita em 2020 mostrou que 47% das mulheres entrevistadas afirmaram já terem sido vítimas de assédio sexual no trabalho, e uma em cada seis vítimas pede demissão.

Tolerância zero

Para Nana, a prevalência do assédio — de qualquer natureza — “tem muito mais a ver com a cultura organizacional, com os valores e com a liderança da empresa” do que com a característica do serviço prestado.

— Para criar um ambiente de tolerância zero, todo mundo precisa entender o que é assédio — diz.

Um dos cases da consultoria foi um projeto para o Magazine Luiza, em 2018. Na ocasião, os líderes da varejista promoveram uma pesquisa interna para medir a percepção dos funcionários sobre assédio e quais práticas não deveriam ser toleradas. Os resultados foram compartilhados com o Think Eva, que criou uma campanha para capacitar os gerentes de lojas e escritórios.

— Assédio moral e sexual são condutas inegociáveis dentro da companhia e, se cometidas e comprovadas, há o desligamento imediato, seja qual for o cargo ocupado pelo praticante — afirma Patricia Pugas, diretora-executiva de gestão de pessoas do Magalu.

Para Margareth Goldenberg, CEO da Goldenberg Diversidade e gestora executiva do Movimento Mulher 360, definir o que é repudiado em uma organização é não apenas fundamental como deve ser reforçado na contratação.

— Isso deve ser dito no processo seletivo, como parte dos valores, da conduta e da cultura organizacional. Deve, ainda, ser reafirmado logo no início (na contratação) para que o profissional entre já identificando o que não é aceitável.

Na avaliação dela, as políticas para coibir assédio devem ser claras e os departamentos envolvidos (como RH, Compliance e Jurídico) precisam ser devidamente treinados.

Fonte: O Globo

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